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"O CRIME E A PALAVRA: CRIMINOLOGIAS DA VIDA COTIDIANA" Por Eduardo Lucas Andrade

Apresento-lhes uma breve exposição sobre o núcleo temático do IV Seminário de Psicanálise em Bom Despacho.

A primeira parte  do título de nosso evento "O Crime e a Palavra" além de provocador, é atual. Estes significantes nos provocam por serem elementos iminentes à constituição de sujeito. O Crime e a Palavra são elementos humanos.

A palavra desnaturaliza o ser biológico, dito natural, levando o corpo habitado à condição de ser falante. Somos seres falantes, mas do que falamos, se não de nós mesmos? A palavra possibilita o sujeito a nomear-se, a constituir-se, a construir-se e até mesmo a "salvar-se a seu modo", já que "não existe regra de ouro que se aplique a todos", dizia Freud em "O Mal-estar na Civilização". A palavra emerge para tentar dar conta do indomável de nós mesmo, daquilo que nos inquieta e que nos provoca às buscas. A palavra é a mais saudável forma de lhe dar com o pulsional.

Perspicazes à dualidade 'Crime / Palavra', enfatizamos as fluentes e influentes presenças nas inscrições humanas, transcrevendo Goethe - em uma passagem já citada por Freud na abertura do texto 'Psicopatologias da Vida Cotidiana', - onde ele nos diz que: "Desses fantasmas tanto se enche o ar, Que ninguém sabe como evitar". A presença do Crime e da Palavra, são assim, inevitáveis.  Se não sabemos como evitá-los, e este é um alarme contemporâneo que se entrelaça na angústia - exatamente por ser do humano - devemos então aprender a destiná-los à melhores estratégias de vida sobre a condição humana social. Mas, como? A psicanálise parece indicar trilhas para isto. Este evento é para trilharmos mais alguns passos.

Nos restaria o resto? Não! Nos resta a aposta no ser humano, no Outro, em nós mesmos. Nos resta quase tudo! Para a palavra, temos a escuta e algo a mais. Para o crime temos a condição de responsável por si mesmo e suas consequências. Mas, ainda há algo aqui faltando, pulsando para ser revelado. Desejo que este evento seja o Setting para o nascer de Insights,  de dúvidas e de calorosas discussões. Há muito a ser dito, vamos falar?

O Crime e a Palavra, são simultaneamente, fontes fundáveis na nossa civilização e findáveis em seu desenvolvimento. Os crimes, nos jorram ainda, o mal-estar da nossa era. Uma era do 'gozo sem cautela' e da proximidade com o Real paranoico. Vivemos um delírio de perseguição, mesmo tendo-nos "trocados parcelas de nossas possibilidades de felicidade por segurança", conforme postulou Freud. Vivemos uma violenta onda  de ataques ao estranho. Vivemos um circuíto de violência atuado e desnorteado no tocante à lei do pai. O que a psicanálise pode oferecer?

O sujeito com o qual trabalha a psicanálise é o sujeito do Desejo, ou por agora, o sujeito do Real, cuja potência política é a da falta, ou até mesmo a 'falta da falta'. Nesta era contamos com um plus pulsional, que insiste, persiste e condena o sujeito a um destino, até mesmo antecedente ao próprio desejo, que se nada for feito, tende a se repetir e a anular o sujeito. A ética da psicanálise coloca o sujeito em jogo. O Social desperdiça quotas de energias civilizatórias por não saber escutar e intervir. O que o psicanalista deve saber?

Parece que temos perante o insuportável uma clivagem que jorra o sujeito a um mais arcaico, por vezes distante da linguagem, indo além e aquém da palavra falada. Há um silêncio nesta angústia de nosso tempo. Podemos estar vivendo nesta era um primitivo da pulsão que ausente de linguagem e ou escuta marca uma condenação traumática ao sujeito e à sua circulação social, que sufoca e não permite ao sujeito dizer.

Provoco-nos a pesarmos: Quais são os desdobramentos que a nossa civilização impõe ao sujeito e o que ele sabe fazer com isto? Crime? Palavra? Sintoma? Actings? Qual é a ética do crime? Qual é a ética da palavra?

Os discursos do inconsciente ditam as posições singulares de cada sujeito fronte aos avatares da lei psíquica, o Nome-do-Pai, um 'saber fazer' com o Édipo, se é que alguém sabe fazer com ele.  Lá onde encontramos a estrutura, jaz o sujeito.

Temos dois tipos de crimes originários que habitam o ser humano, são os crimes de Édipo. Há, os crimes de Eros, oriundos da impossibilidade do desejo sexual sobre o coito incestuoso. Digo dos tabus do amor sobre o desejo de acesso a um sexual proibido. E há também os crimes de Tânatos, nascentes e avassaladores em gritantes silêncios, atuam nas urdiduras do desejo de assassinar o próprio pai. São estes os Totens existentes nas ambivalências do desejo. Se, aquilo que nos ameaça retorna e nos persegue, e se do pulsional não podemos fugir, logo, de alguma forma temos que bancar as consequências.

Dizer de crime não é dizer do banal, do fútil e ou do desnecessário. O fogo, por exemplo, ferramenta primeva da civilização, foi um crime, aponta Freud, ou foi um furto ou um roubo, porém, foi necessário. Compete-nos neste encontro a interpretação do crime e ou o aquecimento nas chamas do Real. Esta fogosa discussão te chama!

A imagem do nosso evento é um desenho sendo invadido, rasgado, violado; um crime! Um ato pela própria mão. Uma mão que faz justiça? Parece-me ser uma mão que faz calar, mas que diz. Cala-se, mas fala atuando, são os actings tão presentes no contemporâneo, e tão ausentes de escuta.

A segunda parte do título "Criminologias da Vida Cotidiana" nos convoca - é quase uma intimação - à refletirmos e à construirmos, sobre a conduta, o espaço, o dever ético da psicanálise. A direção deste tema, é a par da direção da clínica psicanalítica. O sujeito é responsável, os psicanalistas também! Devemos estar a par daquilo que circunda a civilização. Seria o crime algo civilizatório que desfaz laços sociais? O que é o crime? Quais os seus sintomas? Quando o crime vai e leva algo aos consultórios? Qual a sua sua relação com a linguagem?

A psicanálise tem o dever de posicionar-se distintamente do direito, porém posicionando-se em parceria, formulando uma equipe em prol do sujeito e seus laços sociais. Se a palavra e o crime dizem de cada um, a escuta também deverá sê-la.

Desta forma, convidamos a todos os interessados em discutir sobre a temática  do 'Crime e a Palavra', sejam vocês psicanalistas, psicólogos, criminólogos, advogados, e seja lá quem for, venham! Mas venham com a palavra, pois o crime já está exposto.

Cordialmente; Eduardo Lucas Andrade (Membro da organização do evento)